terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Missing Xmas post

Há dois anos que não monto a árvore de Natal. Não celebro o nascimento de um menino que invoca muita coisa boa mas cuja ideologia principal (se o virmos como um mensageiro político) se perdeu no desgaste das eras. Verdade seja dita, a equipa de marketing to gajo é fabulosa! 2009 anos depois e aqui continua, em força! E sempre um menino. Só eu é que envelheço, tentando esconder os brancos que me espreitam nas frontes.
A religião é uma coisa estranha para mim. Confesso. É-o desde que inventei pecados com os meus sete anos enquanto esperava por segredar uma confissão a um homem de batina com um ar suspeito e pêlos nas orelhas. Ajoelhado, de perfil, aguardando a lista de gulas, preguiças e invejas de pequenos seres (luxúria com aquela idade... precoce mas não tanto). Inventar pecados é uma arte. Comecei a desenvolver nessa altura a arte da mentira, faceta que procuro desconstruir agora com alguma terapia. Nunca mais fui a um confessionário. Prefiro os amigos ou psicólogos. Não me mandam Avé Marias para trabalho de casa.
Cada vez mais o Natal me dá náuseas. Por isso, assumo aqui que vou instituir um princípio nos meus Natais futuros. Vou dar a quem precisa e limitar os gastos a coisas simbólicas. Entenda-se que quem precisa são os sem-abrigo e coisas simbólicas são cuecas. Há cuecas interessantes. Giras, vá.
Cresce-me nesta época delirante uma sensação incómoda: quanto mais materializo o meu amor pelos meus entes queridos, mais distante me sinto deles. Pode ser apenas impressão minha, mas deixa-me um gosto tão desagradável como o enfartamento a fritos típico da consoada.
Acho que o menino não nasceu para isto. Nem eu, for that matter.

New year

Nunca gostei dos números pares. Gosto muito dos parzinhos, do amor, dos pássaros e das borboletas e das coisas que podemos fazer a dois mas prefiro os ímpares. Lamento. Tenho um particular apreço pelo 7 mas como o que fica para trás é assunto arrumado, vou atirar-me ao 10 de cabeça. Vou deixar alguns conselhos que valem tanto como um peru no Natal. Parece promissor mas se não o pusermos logo em prática, ou melhor, na boca, começa a endurecer e acaba esquecido no frigorífico. Assim sendo:
. Não deixem os vícios que vos fazem felizes. Moderem-nos.
. Não resistam aos doces orgásmicos. Corram mais.
. Não deixem para dizer o que vos vai na alma. Se deixam a emoção marinar, azeda.
. Reservem um dia da semana para amar. Planeiem surpresas e coisas especiais para alguém que amam.
. Adiram à moda dos post-it se não tiverem jeito para falar. Sabe sempre bem ler num amarelo de furar a córnea "Gostei da forma como me acordaste hoje" ou, para o colega do lado "a tua equipa perdeu mas eu pago-te uma imperial no fim do dia."
. Não fiquem com os "perdões" e as "desculpas" engasgadas. Nunca sabemos quando um camião nos atalha o caminho e nos deixa com coisas penduradas. Físicas ou não.
. Sejam mais poupadinhos. Eu meto as amarelas num mealheiro antigo. Resulta. Quando o arrombo, tenho mais do que imaginava.
. Viajem. Alarguem os horizontes geográficos e emocionais. A poupança serve para isso mesmo. Para investir em coisas que nos dão prazer.
. Tenham novas experiências sexuais. Com o mesmo parceiro ou com alguém novo, se a ordem natural das coisas assim o ditar. Não se esqueçam das borrachinhas, in any case.
. Sejam educados e respeitadores.Verdadeiros/as gentlemen and ladies. Protejam esta espécie em extinção.
. Armem-se de paciência - com o chefe, com a/o namorado/a, amigos, sogra, vizinhos, paspalho da mesa do lado no restaurante.
. Valorizem as coisas boas e relativizem tudo o resto.
. Experimentem novos sabores. Sugiro o Zafran, na Estefânia. E novos desportos. Estou inclinada para o ski embora não goste particularmente de climas frios. As lareiras, todavia, têm imenso potencial.
. Adoptem um animal perdido. Dêem-lhe amor e atenção. Ração também ajuda.
. Cozinhem... com amor. Misturem alhos com bogalhos, peru com doce de frutos silvestres, atum com pasta de azeitona, brócolos com banana. Para evitar maus resultados, ter sempre uma garrafa de bom tinto para apaziguar o palato.
. Beijem muito. Abracem muito. Sorriam e respondam com simpatia.
Transformem 2010 num ano ímpar. Happy new year, everyone.

sábado, 19 de dezembro de 2009

JIM CARREY

Para quem não conhece e tem vontade de entrar no mundo labiríntico deste actor multi-facies e multifacetado, aconselho vivamente a visita ao site do actor canadiano. O meu sonho enquanto bloguista fraquinha é um dia ter um blog assim. Beijinhos a todos e Merry Xmas.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Souvenir

Eu, se fosse ao Primeiro-Ministro, começava a acautelar-me com os eventuais Galos de Barcelos, toureiros das Caldas, Torres de Belém e Igrejinhas de Fátima que podem começar a voar nos comícios. Se a moda pega... e não há-de ser difícil apanhar por aí malucos, totalmente inimputáveis, com vontade de fazer saltar uns dentinhos. Be afraid, be very afraid.

Shit happens

Era a minha melhor amiga. Era, porque não havia muitas crianças naquela rua e porque a vida nos levou em direcções distintas. Tinha nascido na França mas era filha de portugueses. Não se deram bem por lá. Tinha olhos verdes e cabelo louro com umas sardas polvilhadas na pele esbranquiçada. Ela pálida, eu morena. Eu uma líder nata. Chata como tudo. Mais pequena e mais nova que ela, mas, mesmo assim, cheia de mania. "É assim que se faz..."Ela era uma doçura e cheira de paciência face ao meu turbilhão de emoções, farta do isolamento. Ela entrou primeiro para a escola and all hell broke loose. Ela vai e eu não vou, ela vai saber mais que eu, eu vou ficar em casa..... e as lágrimas de quem não consegue fazer avançar os anos. Ela deixou de estudar cedo. Não tinha jeito para a coisa. Também não gostava muito. Afastámo-nos na adolescência. Eu ganhei uma nova melhor amiga com quem partilhava muito mais, com quem tinha todos os interesses em comum e mais alguns. Ainda somos grande amigas.
A minha primeira grande amiga, pálida, de sardas, teve dois filhos. Encaminhei-a para um médico quando achei que os gritos e o isolamento do filho mais velho me pareceram demasiado avessos a um mero aluno sobredotado. Ela agradeceu-me como se eu lhe tivesse aplacado a ira e o desassossego interiores. O miúdo sofria de um síndrome de Asperger, que já havia conhecido em detalhe porque uma aluna minha, portadora deste parente do autismo, me fizera querer saber mais. Aproximámo-nos um bocadinho. Ela vende peixe. A minha mãe vai lá muito à peixaria. Eu vou beber muitos cafés à pastelaria do irmão dela.
Esta minha antiga melhor amiga descobriu agora, antes desta quadra que me irrita solenemente, que tem uma leucemia aguda e está infestada de gânglios que a fizeram suspeitar que algo não estaria bem. Vai estar um mês no hospital. Eu vou vê-la. Não sei muito bem o que lhe vou dizer mas prometi a mim mesma que não vou chorar. Acho que lhe vou oferecer um gorro bem modernaço para que ela se sinta igualmente bela, sem ponta de cabelo. Os olhos verdes devem notar-se muito mais. Tenho que pensar no meu discurso... eu sou muito, muito optimista mas a única coisa que me ocorre é que esta vida é mesmo uma merda.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Nouvelle Vague

Ora bem, como direi... fiquei desiludida. Por vários motivos. Deve ser a idade que me mirra a intolerância mas não suporto a falta de pontualidade dos portugueses que insistem em chegar a concertos depois da hora. Pior ainda numa sala quase sagrada como a Aula Magna. Outro problema é o facto de os Nouvelle Vague serem quase mainstream, o que, infelizmente, atrai toda a espécie de gente. Os tagarelas, os bêbedos, aqueles que adoram protagonismo e gritam no meio de uma interpretação que exige silêncio absoluto. Sou uma elitista cultural, confesso, assumo a minha petulância quando olho para os concertos intimistas como uma experiência mística. Assim sendo, respeito o artista como um deus. Pago para venerar os sons, os vários instrumentos, a voz abençoada. No meio deste ritual temos as palminhas. Os portugueses adoram acompanhar qualquer ritmo que seja com palminhas. Palminhas. Palminhas. Fora de tempo. Palminhas. Lixam tudo. Como se a tortura não fosse suficiente, ainda cantarolam quando não lhes é pedido... fogo. Por que raio se inventaram os karaokes? Pergunto! Quando quero cantar, dançar, berrar, faço-o em casa ou vou suar para locais nocturnos ao som de música que me faz dançar. Dançar a sério. Não agitar os ombrinhos e dar pulinhos deprimentes ao ouvir o Heart of Glass numa versão reggizada. Ou os enamorados do momento que se vão roçar para o corredor nuns jeitos muito abichanados e também eles sem qualquer ritmo. Se algumas pessoas se vissem a dançar nos concertos (em que deveriam estar sentados) teriam vergonha de se sair em plena luz do dia. O silêncio é um bem precioso nos concertos. Os artistas precisam acima de tudo de se conseguir ouvir. Eu sei... são queixas a mais. Tenho espaço para mais uma. O que me entristeceu mais foi que uma das principais vocalistas que me fez apaixonar pela banda no Verão de 2007, numa noite quente na casa pesca de Oeiras, vai sair. Fez uma primeira parte, cantou uma ou duas com a banda mas deixou o protagonismo a uma loura de 1,80, que oscilava como uma marioneta. A voz era boa mas nada comparável com o veludo aquecido das melodias cantadas por Melanie, cuja sensualidade francesa de pouco precisa para encher um palco. Além disso, saltitava muito no meio do público. Too full of herself or in need to prove something. Queria que o V. pudesse experimentar a emoção por mim sentida em 2007 mas enfim, ficou aquém das expectativas. Para se perceber porque me apaixonei, aqui fica uma versão óptima de Love will tear us apart, cantada por Melanie Pain. E pronto. Chega de queixas.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Lisa Ekdahl

Olhem... foi tão bom, tão bom, tão bom... que não tenho palavras.
Apontamento 1 - Os suecos têm um aparelho vocal fantástico.
Apontamento 2 - Também aparecem em tamanho small.
Apontamento 3 - Cada músico que a acompanhava tocava pelo menos 3 instrumentos...
Demos muitos smiles, sim, slow knowing smiles.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

School - moments

Professora na primeira aula depois do teste de História.
- Então, stora, corrigiu os testes? (perdura a ideia de que os professores anseiam por corrigir asneirada, até porque, bem vistas as coisas, não têm vida própria...)
- Não. A máquina de corrigir testes está avariada.
- Máquina de corrigir testes? Cóm é essa cena?
- Funciona mais ou menos como uma fotocopiadora. Colocamos os testes de um lado, inserimos os códigos da correcção e saem do outro lado, devidamente corrigidos.
- Meu, ganda cena. Onde é que se compra essa cena? É cara?
- Na Worten costuma haver mas custam 1000 euros.
- 1000 Euros, fónix (o publicitário que se lembrou disto devia ser chicoteado), bué da pasta!

Ao perceber que a ironia se havia tornado uma realidade perfeitamente lógica, a professora poupou-se a uma angústia maior e disse:

- É mentira, meus amigos. Estava a brincar convosco.
- Fogo, tava a ver, era muita cara pa ser verdade.


No dia da apresentação oral:
- Bem, meus amigos, vamos a isso. Comecemos por ordem alfabética.
- Stora, hoje é a apresentação oral?
- É, já ando a repetir esta data de há um mês para cá.
- Fogo! O qué qu'era mesmo pa fazer?!

Então explica-me lá o motivo desta falta disciplinar.
- Então, stora, eu pedi para ir à casa-de-banho...

- Sim, e o professor autorizou?
- Sim.
- Muito bem. E então o que se passou depois para que o professor da aula de substituição marcasse falta disciplinar?
- Então, fui à casa-de-banho e depois aproveitei e fui dar uma volta... e pronto. Cheguei mais tarde.
- Foste dar uma volta?! Uma volta?!
É nestas alturas que nos apetece deixar o antebraço pairar no ar e ao de leve, muito suavemente, deixar cair a palma da mão na nuca do indivíduo num poético calduço.

Directora de Turma telefona para Encarregada de Educação.
Round 1
- Sabe que a sua filha já tem muitas faltas e terá que fazer prova de recuperação a Geometria Descritiva?
- Sim, eu sei Dra. Não se preocupe.
- Sabe que a matéria é complicada, ela precisa de estudar.
- Ela está habituada. No ano passado fez várias provas de recuperação e passou a todas.
(Relembro que as provas de recuperação foram uma invenção que ajuda os alunos a limpar o cadastro das faltas. São realizadas depois de várias faltas INJUSTIFICADAS).
- Muito bem. A senhora foi informada e isso é o mais importante.

A aluna faz a prova. Não é aprovada. Directora de Turma questiona Direcção se a aluna pode ficar retida. Direcção aconselha professor da disciplina a dar mais uma oportunidade. Directora de Turma envia carta para casa informando Encarregada de Educação. Relembra a dificuldade da disciplina.

Aluna faz segunda prova. Não obtém aprovação.

Directora de Turma ao telefone com Encarregada de Educação. Round 2:
- Neste momento, depois de duas provas sem aprovação, a sua filha está reprovada por faltas à disciplina de Geometria Descritiva.
- Pois, mas não é justo! O professor da disciplina nem sequer deu aulas de explicação à miúda. Ela sentiu-se completamente perdida.

Single, widower, divorced...

Pois, ela bem tinha razão. O tipo é casado. Porra. Aparentemente, tem uma daquelas coisas que se chamam relações de cama, comida e roupa lavada. Um estado de comodismo calcário partilhado com a outra metade progenitora. Alguém que já gemeu de prazer no seu ouvido mas que agora é só "mãe dos seus filhos".
Quem é maior costuma também ser vacinado mas não significa que tenha mais juízo.
Loneliness is a fucked up place.
- E agora?
- Agora vamos ver. Não me quero envolver.
- Sabes bem que não travas antes de lá chegar... mas enfim, quero que estejas feliz. Estás feliz?
- Está tudo bem, amiga.
Um homem afasta-se tanto as sua rotina empedernida como o calcário do tambor da máquina.
Sabe-se lá porquê... as rotinas afogam a maioria das mulheres. Talvez se começarmos a jogar futsal à sexta com o mesmo grupo e depois nos embebedemos a falar de gajos acabemos por perceber o fascínio destes hábitos centenários. What do you say, ladies?

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Inner growth

I've discovered I am as fragile as everyone else. I've also realized that I more easily take on some pain and blame than confront others. I am not a ghetto girl. I hate to argue. Even though I am right in doing so I have always dodged these situations as if I would inevitably fail before them. I am discovering that I can avoid this pattern and stand up for myself. Be more assertive. I might even kick some ass in the meantime. Interesting thing... I am enjoying the ride.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Mummy hates daddy

Ontem, numa reportagem da SIC, um pai lamentava os longos anos afastado dos seus filhos. Uma distância imposta pelo outro cônjuge. Perdeu o emprego porque a tristeza se instalou na sua forma de estar. Os dois rapazes eram duas botijas de oxigénio que o ligavam ao mundo. Procurou voltar a respirar. Entretanto casou mas continua a sofrer. A ex-mulher é exímia no chorrilho de acusações, na listagem de incumprimentos, no afastamento (a seu ver) absolutamente intencional e irresponsável do ex-marido. A educadora de infância dos miúdos conhecia os dois. Tomou o partido do pai. Eu não percebo muito de pessoas, mas o olhar doce do homem que continuou a procurar dar pensão de alimentos aos seus filhos ainda que desempregado e o frenesim destrutivo da mãe que sempre quis aumentar essa pensão (independentemente das condições financeiras do ex-marido), acusando também a nova madrasta de bater nos seus filhos... enfim, soa-me a discurso de mulher abandonada.
Esta síndrome chama-se "Alienação parental". É geralmente levada a cabo pelas mulheres mas não necessariamente assim. Os filhos são usados como armas de arremesso acabando por ser, quase sempre, as maiores vítimas em todo este processo. Há várias questões que me causam algum incómodo. Uma delas é: como podem duas pessoas que tiveram momentos de amor e intimidade, que conheceram os seus segredos mais íntimos, que conceberam seres por amor, de forma consciente, odiar-se tanto? Outra tem a ver com esses mesmos seres. Se esse é o maior amor de todos, se amamos incondicionalmente (ou quase), como podemos afastar os nossos filhos de quem eles tanto amam e lhes quer bem? Como pode um amor de um pai/ mãe ser inferior ao ódio que nutre por aquela pessoa que foi outrora a sua cara-metade? Como podemos nós estar equipados com ovários e testículos se não temos o software para lhes dar o devido uso? A teoria evolucionista tem que ser mais selectiva aqui. Se preciso for, programem-nos... para bem daqueles que pomos cá fora.

sábado, 14 de novembro de 2009

My freedom

Tenho muitas grelhas para inventar, fazer, imprimir, fotocopiar. Todas para provar o quão aplicada sou. Todas para mostrar a um qualquer elemento superior que mereço as migalhas com que me presenteiam cada mês. Todas para provar que não me engano quando atribuo uma classificação negativa. Todas para poder esfregar na cara dos papás quando vierem argumentar o comportamento dócil e querido do seu anjinho caseiro que julga entrar no Inferno de Dante ao cruzar os portões escolares. Todas para Inglês ver o quão boa secretária sou. Sei fazer cruzinhas, olhem para mim. Não sou isso que eu sou. Querem matar o meu conhecimento científico e a minha criatividade. Não deixo. E só para me vingar, mando as grelhas pá P... que as pariu e regojizo-me com a leitura de Status Anxiety do Alain de Bottom. Mai nada!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Will we have a home run?

Ela está numa indecisão há umas semanas. Ele parece querer uma investida fugaz. Simpatiza com ela mas não avança. Deixa-lhe mensagens dúbias, polissémicas, que tanto pode ser de um profissionalismo bem-humorado ou de um avanço disfarçado pela sua intimidade. Ela responde com um isco interrogativo na esperança que ele morda. Ele responde voltando ao modo "neutro". Tudo na mesma. Não F... nem sai de cima. Uma mulher não tem tempo para esperar.
Ela foi dar uma caminhada para desanuviar. O jejum de carinho e afecto deixa as hormonas à beira da explosão. Cama precisa-se. Ele liga-lhe:
Ele: Preciso de umas coisas da tua empresa. (Quero ver-te... ou não)
Ela: Quando queres que veja isso contigo? (Quando te vais atirar... é esta semana?)
Ele: Estás ofegante... O que estás a fazer? (Pergunta vaga...)
Ela: A dar uma caminhada, estou furiosa. Tive um dia muito cansativo. (Pensa: "Podias ser tu a cansa-me e eu não estaria tão aborrecida com o mundo todo mas não te decides.")
Ele: Não fiques assim e blá blá blá.... (Resposta delicada ou não sei se me preocupo contigo...)
Ela: Bem, quando queres que veja isso?
Ele: Hoje? Pode ser? (Será que quer fazer a maratona...)
Ela: Teria que regressar à empresa e fica muito longe. (Tens cá um sentido de oportunidade, pá) Pode ser o meu sócio a fazer isso.
Ele: Preferia que fosses tu. (E ela já a achar que é motivo de chacota ou que ele tem uns silicones suplentes. Não percebe este arranca e recua.)
Ela: OK, amanhã de manhã. (Pensa: Não sei se me apetece produzir-me. Estou a ficar cansada de decotes infrutíferos.)
É este o drama das mulheres independentes e autónomas. As mensagens de telemóvel são mais um elemento para juntar a um monólogo de duas partes. Ninguém se entende. A meu ver, que não passa de mera opinião, temos todos medo de falhar. Acobardamo-nos perante a NEGA/ TAMPA/ RECUSA, o que lhe quiserem chamar. Convirá sempre avançar para qualquer coisa parecida com uma abordagem íntima sem ser forçada. Temos que saber o terreno que pisamos antes que o cérebro fantasie demasiado e acabemos em areias movediças.
A minha sugestão: E que tal sairmos os dois? Sem trabalho à mistura. Parece-te bem? Há sempre 50% chance it works out. Se não for o caso, seguem com a vossa vida. Sem falsas ilusões. Ela acha que eu vou directa ao assunto...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Women's things


Na sexta-feira decidi cortar o cabelo. So far so good. Faço-o muitas vezes. Inovar é bom. Gosto de quebrar a rotina em tudo. Até no meu couro cabeludo. Dá-lhe aí uma tesourada, disse à minha cabeleireira de há muitos anos. Não leva caro, corta bem, e eu não vou lá muitas vezes. Tem um senão. Tem a mania que sabe tudo. Sim, compreendo. A expert nos fiozinhos capilares é a menina mas o cabelo é meu.

Eu - Muda o corte mas deixa os jeitinhos selvagens, please. Estou fartinha de me ver assim.

Ela - Já não vinhas cá há muito tempo. O teu cabelo precisa é de um tratamento. Está muito fraco.

Eu - (merda, lá vou ter que convencê-la que só quero isto porque não me apetece perder tempo e, muito menos, gastar dinheiro) Sim, noutra altura. Agora não.

Ela - Agora não porquê? Não demora muito. Fica nutrido e pesado. Vais adorar. E nem sequer é caro.

Eu (quase convencida) - Pesado? O meu cabelo é muito fininho? Isso não é uma miragem? Não perco estes meus jeitinhos selvagens, pois não?

Ela - Não confias em mim? Eu percebo do meu trabalho.



Eu... cedi. Lá fiquei com uma máscara como se o mundo fosse acabar e o falecido Saddam lançasse uma bomba bioquímica na minha pretty round tiny head. Ficou direitinho com uma leve sensação de cimento plastificado... Convenci-me que o corte e a lavagem do dia seguinte devolveriam ao meu aspecto leve e solto a frescura de outrora. Fui sair com umas amigas sempre angustiada por ter aquela imagem de Índia Americana na cabeça mas com um look muito ocidental em tudo o resto. Estava doida para que chegasse ao dia seguinte. E chegou. Voltei lá para finalizar o tratamento. Cortou demais. O cabelo ficou liso. Passei-me.

Fui procurar outra cabeleireira, gastei uma pequena fortuna em produtos e infernizei todos à minha volta com o meu desespero momentâneo. Nada a fazer para recuperar as ondas e os caracóis indisciplinados que tão bem me caracterizam. No sábado detestei. No domingo recorri a todos os auxiliares secundários comummente chamados de ganchos e pregadeiras para resistir à humilhação pública. Palavras amorosas aplacavam a minha ira "Sabes que se estivesse muito mau eu dir-to-ia, amor. E não está. Tens é que o usar apanhado." I am so fucked...A minha sensualidade escoou-se pelo cano juntamente com o cabelo perdido.

Regresso ao trabalho. A pergunta inevitável de quem acha que os professores são seres entediantes sem vida própria:

-A professora cortou o cabelo?

(If I could tell you to fuck off for having reminded me of my painful and temporary but far too long disaster I would....)

- Não.

- Ah.

(Go figure. They always buy it).

Another one... Bem, stora, com esse corte parece uma miúda. Desculpe mas tenho que dizer. Muito gira. (Agora é que eu chumbo o gajo se ele não conseguir fazê-lo sozinho...).

Enfim. Depois de muito esfregar, de muitas aplicações de muito secador e algumas asneiras e vitupérios ofensivos e de uma promessa irreversível - nunca mais lá volto - começo a habituar-me a este corte muito Audrey Hepburn. Acho que vou comprar umas luvas pretas pelo cotovelo e tomar o pequeno-almoço a Nova Iorque. Só para me animar.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Long time love

Eileen and her husband Bob went for counseling after 25 years of marriage.When asked what the problem was, Eileen went into a passionate, painful tirade listing every problem they had ever had in the 25 years they had been married. She went on and on and on: neglect, lack of intimacy, emptiness, loneliness, feeling unloved and unlovable, an entire laundry list of unmet needs she had endured over the course of their marriage.
Finally, after allowing this to go on for a sufficient length of time, the therapist got up, walked around the desk and after asking Eileen to stand, embraced her, unbuttoned her blouse and bra, put his hands on her breasts and massaged them thoroughly, while kissing her passionately as her husband Bob watched with a raised eyebrow!
Eileen shut up, buttoned up her blouse, and quietly sat down while basking in the glow of being highly aroused.The therapist turned to Bob and said, 'This is what your wife needs at least three times a week.. Can you do this?'Bob thought for a moment and replied, 'Well, I can drop her off here on Mondays and Wednesdays, but on Fridays, I play golf.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Autumn and music

Deve ser do frio. Talvez seja por lhe chamarem a rentrée. Entro numa loja de música Melhor, num supermercado de consumo cultural. Acabaram-se as belas lojinhas de especialidade. Mataram a minha tão querida Valentim de Carvalho no Campo Grande. Antes de apanhar o autocarro descobria umas preciosidades. Foi lá que descobri a Calcanhotto e o seu "Marítimo". Era ela uma miúda. E eu também. Esteticamente mais pobre mas paradoxoalmente mais sensível.
Agora, sem os escaparates elitistas das lojas de música vejo-me obrigada a partilhar o meu espaço com maníacos dos jogos informáticos e famílias obesas fãs incondicionais dos plasmas king-size. É tudo ao molho e fé no discernimento e bom-gosto. Entro numa Fnac e oiço umas coisas. Nesta época, sabe-se lá porquê, há muitos nascimentos musicais. Alguns mais interessantes que outros. Editors, Muse, David Fonseca, Michael Bublé, Kings of Convenience, etc, etc... Apetece-me trazê-los a todos para casa. Essencialmente porque as multidões que encontro me tiram a vontade de ouvi-los o suficiente para poder escolher com a devida calma. Cantinhos especiais precisam-se.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Cinammon

Porque gosto da sinestesia. Porque também gosto da especiaria. Aconselha-se nos pastéis de nata ainda que contra-indicada para o coração. Porque apela aos sentidos.

O Descascador de Canela

Se eu fosse um descascador de canela
deitar-me-ia na tua cama
e deixaria o pó amarelo da casca
na tua almofada.
Os teus seios e os teus ombros cheirariam a canela
nunca mais poderias passar no mercado
sem a profissão dos meus dedos
flutuando por cima de ti. O cego tropeçaria
certo de quem se aproximava
mesmo que tomasses banho
na chuva das calhas, na monção.
Aqui no cimo da coxa
neste macio pasto
vizinho do teu cabelo
ou do sulco
que te divide as costas. Este tornozelo.
Serás conhecida entre os estranhos
como a mulher do descascador de canela.
Só a custo te podia ver
antes do casamento
nunca te toquei
- a tua mãe nariguda, os teus irmãos tão brutos.
Enterrei as minhas mãos
em açafrão, disfarcei-as com
alcatrão de tabaco
ajudei os apicultores a colher o mel…
Uma vez que estávamos a nadar
toquei-te na água
e os nossos corpos permaneceram livres,
podias segurar-me e ser cega de cheiro
Saltaste a margem e disseste
isto é como tu tocas as outras mulheres
a mulher do cortador de relva, a filha do queimador de limão
E procuraste nas tuas mãos
o perfume desaparecido
e soubeste
como é bom
ser a filha do queimador de lima
deixada sem marca
como se lhe tivessem falado no acto do amor
como se ferida sem o prazer de uma cicatriz
Roçaste o teu ventre nas minhas mãos
no ar seco e disseste
sou a mulher do descascador
de canela. Cheira-me.


Michael Ondaatje

Idols or why would I like to be Manuel

Há uns anos, quando era muito lírica e idealista, quando achava que podia corrigir a maldade dos outros e racionalizar a inveja do vizinho, achava o programa Ídolos um verdadeiro disparate. Acima de tudo, custava-me muito olhar para aquelas criaturas indefesas que eram publicamente humilhadas, acabando por servir de entretenimento a famílias inteiras por esse Portugal fora. Até mesmo às suas, que há quem se ria dos seus próprios genes. Reivindicava justiça. Não entendia como isto podia ser entretenimento. Hoje, agora que sou mais burgessa e insensível, farto-me de rir com o programa. O que mudou? Bem, primeiro que tudo a minha ilusão e segundo, apercebi-me da representatividade sociológica dos cromos. A inteligência passou a ser categorizada: há a emocional, a espacial (bato com o dedo mindinho nos móveis, esta não tenho. Burra), a musical, etc e tal e coisa. Uma verdade absoluta é que todos somos capazes de chegar muito longe. Todos somos inteligentes. Ai de quem decida retirar aos jovens de hoje esta crença. A humildade, infelizmente, na minha perspectiva boçal, tem os dias contados. Desta forma, cremos todos na grandeza que temos sem que tenhamos dado provas ou feito qualquer esforço para obtê-la. Logo, é perfeitamente lógico que saibamos cantar. Logo, toca de arriscar porque acreditamos no nosso inner hidden talent. Somos todos tão talentosos quanto inteligentes. TODOS. Basta querer. Hoje em dia é tudo tão fácil e absolutamente garantido que não há especialistas. Há pessoas que insistem que sabem mas ignoram que TODA A GENTE é entendida em QUALQUER matéria.
Por isso, quando vejo o Manuel grunhir para uma qualquer croma que esteve a madrugada toda ao frio por se julgar quase tão boa como a Beyoncé "Não cantas a ponta de um corno", rio, rio muito. Só tenho pena de não poder exercer essa autoridade déspota no meu trabalho "Não fazes a ponta dum corno, pá! Julgas que vais passar? Faz-te mas é à vida que tens idade para isso... Calão."

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

He is just so perfect

Mas isso foi há quanto tempo (pergunto eu),
Quatro anos (diz ela),
Mas perdeste-lhe o rasto ou o afastamente foi intencional (pergunto eu),
Ele desapareceu. Mas sei que agora é ele que me manda mensagens (diz ela, numa angústia crescente),
Mas o que quer o tipo contigo, aborrecer-te ou praticar sexo tântrico (pergunto eu para animá-la),
Ela solta uma gargalhada triste. Não sei (diz com um ar vazio sabendo que preferia ter a certeza que fosse a opção B),
Mas se tu o visses, A., ... o homem era mesmo perfeito, de cortar a respiração ( disse ela, erguendo o olhar e abrindo os olhos negros)
Perante o conceito de perfeição, que numa situação normal traria qualquer George Clooney à mente, a minha imaginação só conseguia ver-te à porta, de olhar estremunhado, com ramelas, naquela T-shirt cinzenta, com o calor da cama ainda nas mãos enquanto de forma cavalheiresca, esperas pelo meu elevador.
Perfection is a relative concept.

To listen really LOUD, dancing around shaking your arms wide and letting your legs feel the drums

The Flue, oh, the flue

1. Aparentemente os corredores de São Bento são propícios às correntes de ar. Isso ou os deputados são verdadeiramente um grupo de risco. Concordo. Têm todos um ar muito suspeito, de quem alberga doenças estranhas de contágio rápido.
2. Os bloquistas querem dar o exemplo e estão a adorar estar entre os grandes. Não vos cheira a fraqueza ideológica?
3. Somos todos burros para copiarmos os políticos ou somos iluminados por considerarmos a classe política essencial ao desenvolvimento do país? Deverei substituir desenvolvimento por "empobrecimento"?
4. Porque sãos os nossos deputados mais essenciais que a classe política britânica ou americana?


Estas verdades começam a ser tão lógicas como as bíblicas. Saramago, ó meu amigo Nobel, não quer arranjar outro cavalo de batalha, não? Não bata mais nos pinguins, vamos lá virar o canhão para os engravatados, bora. Vai ser porreiro, pá. Mas leva máscara que os gajos estão cheios de vírus e tu tiveste muito doentinho com uma penumonia. Já sabes, se ficas na corda bamba não tens quem reze por ti.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

DocLisboa

O tempo que este título aqui esteve sem nada resultou não só de uma qualquer virose que me atirou para umas urgências improvisadas no concelho de Sintra (livre-nos Deus ou qualquer outra entidade que gere as indisposições profundas e os vírus gastro-intestinais de adoecermos de madrugada neste país.. nada está operacional) mas também pela burocracia pela qual se orienta o meu local de trabalho. Chamemos-lhe uma dupla bactéria... Só quero ver se a nova ministra da educação não vai ser apenas mais uma "aventura", if you catch my drift.
Ora bem, com ou sem dores abdominais e calafrios, lá nos atirámos ao DocLisboa e este ano acertámos em cheio nas escolhas.
Letters from the Shadows - a esperança desfeita dos emigrantes africanos que, depois de enfrentarem desertos sem clemência, barcos inundados pela intempérie e pelo fedor dos corpos putrefactos que é preciso deitar no Mediterrâneo, chegam a uma Espanha que nada tem para lhes oferecer a não ser tardes vazias passadas na escadaria de uma igreja. Os "morens", como lhes chamam os catalães, têm aqui a oportunidade de mostrar a cara clandestina e esfomeada. Expõem a vergonha de nada conseguirem. Mostram à câmara a saudade dos pais e irmãos cujas caras já não reconhecem na memória. Mostram a miséria e a tristeza de estarem estagnados na escuridão. Foi interessante perceber que os emigrantes ilegais costumam ser explorados pelos seus conterrâneos, já instalados no país anfitrião. A raça humana decepciona-me cada vez mais. O realizador mandou cassetes VHS para as aldeias africanas com o testemunho dos seus filhos perdidos na boa Europa. Muito bom.
Acácio - uma brasileira, Marília Rocha, descobriu uma preciosidade. Acácio e a sua esposa. Trasmontanos de origem. Passaram parcelas de 3o anos (como Acácio lhes chama) em Portugal, Angola e Brasil. Acácio filmou e fotografou para os arquivos do governo na altura. Entrou na intimidade das tribos indígenas de Angola. Aproveitou e foi fazendo as filmagens também da sua família. Filmou o quotidiano dos mais tarde retornados. A San-Tropez dos portugueses antes da independência. Falam das imagens que vêem do Douro como se nunca de lá tivessem saído. O Português do Brasil pouco se nota nas suas conversas. A relação de mais de 50 anos deste casal deu azo a conversas deliciosas que, verdade seja dita, só mesmo vistas e ouvidas. Se alguma vez ficar disponível para download num site muito muito cultural perto de si, ... a não perder. Para ver no aconchego do lar com a chuva a bater na janela.
The Last Season - Shawaks: a história de uma tribo turca de pastores que passa o verão nas montanhas, com os rebanhos, os cavalos, as mulheres, os filhos, as tendas, a tralha toda. Regressa no Inverno para as casas de pedra, novamente com tudo. Tem paisagens fantásticas. Projecta-nos para um mundo completamente estranho. É bom saber que a Turquia tem muito mais que Istambul. Quando o ancião disse "As mulheres fizeram-se para se bater" achei que estavam muito bem fora da União Europeia. Foi um momento triste. Mas tudo o resto foi óptimo. Dos melhores festivais que por aí andam. Adoro este ritual de Outono.
Cansa comó caraças ir a todas. Mas vale a pena. A alma vem menos pequena.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Moments

Numa discussão sobre ética na política entre alunos:
- Eu gosto do Sócrates.
- Gostas? Porquê?
- Ele põe os professores na linha. Há muitos cheios de mania. Ele mostra a eles como é!



Aula de secundário. Aluno de um curso profissional a mandar mensagens no telemóvel. 20 anos.
Professor: - Por favor, entregue-me o telemóvel. Sabe como funciona o regulamento interno. Depois, irá buscá-lo à direcção.
Aluno: - O telemóvel não dou. Era só o que faltava. Prefiro ir para a rua.
Professor: - Nesse caso, faça favor. Uma coisa ou outra.
Aluno: - Prá rua também não vou. Fogo.


Conversa entre Directores de Turma do Básico:
A : Fiz cerca de 5 provas de recuperação e aluna não conseguiu aprovação a nenhuma. Já não sabia o que fazer.
B: E as faltas? Não as tiravas?
A: Como, se ela não conseguia passar na prova mais básica? Depois acabou por tirar negativa no final do ano...
B: Outra coisa não seria de esperar!
A: Sim... e passou.
Viva a educação inclusiva. Como dizia a minha amiga Sílvia, se a humanidade fosse toda inteligente não seriam necessárias regras e normas que nos orientassem. Mas devemos continuar a acreditar que sim. Somos todos geniais. Isso e o Isaltino está na prisão a cumprir a sua pena.

domingo, 11 de outubro de 2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Serralves

Fui a Serralves. O V. levou-me lá. Um pedido recente para diminuir uma vergonha antiga. Os jardins são lindos. Os quadros da Paula Rego também. Há uma escultura do Rui Chafes que achei fabulosa, feita em ferro mas com ar de papelão preto. Tirando isso, fico com a terrível sensação de que todas as instalações são uma incógnita. Tenho que tirar o chapéu às peças que me surpreendem pela originalidade. Não posso necessariamente falar de talento, de esforço, de atenção ao detalhe. Apenas digo "é diferente" e penso cá para comigo "que giro, porque é que nunca me lembrei de nada assim?". Provavelmente porque não tenho alma de artista... nem atrevimento para tal, for that matter. Outras há que são tão inacreditavelmente vazias de significado - talvez isso seja, por si só, uma mensagem - que perder muito tempo a olhar para elas é validar a sua presença naquele belo espaço branco e amplo. Quando encontro quadro brancos com a tela dobrada a meio, preciso ter a certeza de que tem mesmo um quadradinho identificador do lado esquerdo para perder um olhar precioso com a dita obra de arte. A determinada altura, eram tantas as tábuas, as areias, os quadros brancos, o alcatrão, que dei por mim a olhar para os extintores e para os quadros avermelhados com as mangueira escondidas como possíveis instalações. Só conseguia catalogar a minha ignorância quando, no lugar da suposta etiqueta, lá estava a parede. Branca. Sem nada. Provavelmente também ela seria uma obra de arte. Fazê-las assim direitinhas e bem rebocadas já há poucos.
Muitos anos passaram desde que Duchamps inverteu o urinol e o conceito de arte. Seria de esperar que a evolução artística também conseguisse fazer coisas diferentes no que toca à arte contemporânea. A verdade é que devo ser eu que não consigo deixar de ver o artista como um talentoso, um ser especial, diferente dos demais. Ainda bem que os bilhetes eram grátis este fim-de-semana. Caso contrário, sentir-me-ia defraudada.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Democratic people

A política, para mim (que sou uma ignorante na matéria) é feita por um grupo de pessoas com o intuito de servir um grupo gigantesco de pessoas. Quando falo de política a sério, falo de democracia. É sempre mais complexo governar quando o povo é inteligente. É exigível que se saiba dialogar.
Eu tenho ideologias mas são tão variadas que nem sempre me identifico com um só partido. Voto nas pessoas, não consigo achar que um partido me satisfaz plenamente. Tenho alguma dificuldade em compreender como tantos portugueses acreditam no Eng. José Sócrates. Não confundamos a cor ou a facção com as pessoas. É o "Engenheiro" que não me inspira o mínimo de confiança. Os seus comportamentos, atitudes e medidas devem partir, quero acreditar, de uma visão liberal honesta e vincada. Todavia, a forma como são implementadas, a forma como o resultado das mesmas é condicionado para que seja um êxito retumbante contra toda e qualquer conjuntura (antes de poder ser analisado, corrigido e poder ser, de facto, um êxito verdadeiramente retumbante) faz-me pensar apenas em demagogia e sede de poder. A forma como se preocupa tanto com a sua imagem e o seu êxito pessoal, independentemente do modelo que passa para os jovens eleitores, chega a causar-me vómitos... A alternativa é bem pior, confesso. Gostaria de ter a certeza que a esquerda não se está a tornar numa oligarquia não só insensível às críticas inteligentes mas também sedenta por, demagogicamente, seduzir um povo cada vez mais ignorante. Há quem valha a pena. Infelizmente, as máquinas partidárias são assim mesmo. Como os adolescentes em idade parva. Tens que andar com os betos, caso contrário, és um cromo e ninguém te garante a reforma numa empresa rentável que já pertenceu ao Estado.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

And now

Perante o cenário imprevisível que politicamente encontro pela frente, agravado pela quase certeza da inalteração do status quo de podridão, ponho-lhe em cima a ressaca de um casamento no sul do país e o calor infernal com que tenho de trabalhar...e prontos, só me apetece ouvir isto.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Creative writing

Lá me decidi a acompanhar uma amiga minha para um mini-curso de escrita criativa. Logo para abrir a sessão, 15 minutos para escrever um parágrafo-anzol. Eu, pescadora, o leitor, o peixinho que se deve seduzir com informações relativas ao género, tom, personagens, dilemas, espaço e tempo. Fiquei com a sensação de contar o livro todo num só parágrafo e isso é demasiado frustrante. É mais ou menos como a ejaculação precoce. Decidi não falar sobre sexo, por uma questão de educação e decoro. Não queria cair na banalidade fácil. Despachei o policial para o lado porque era demasiado óbvio. Nunca sofri tanto em 15 minutos. Isto foi o que consegui:
Estava na hora de mandar entrar o paciente seguinte. Era preciso sugar o cigarro fervorosamente para aguentar uma hora de sofrimento alheio. Cada vez mais lhe pesavam aquelas confissões abruptas no sofá branco que o Pedro comprara para o consultório. Maria discordara do sócio. O vermelho tradicional, quase chaise longue, aproximava-se mais das várias loucuras que ali buscavam remédio rápido a custo elevado. Respirou fundo. Deixou que a nicotina a invadisse. Esperou um pouco. Numa displicência adolescente, atirou a beata para a rua, ignorando os transeuntes. Olhou para os automobilistas encarcerados na capital, em hora de ponta, regressando a casa. Invejou-os. Dali a pouco, depois de despachar a suicida reincidente, também ela iria para o outro lado do rio. Pousaria o seu corpo esguio na poltrona da sala, guardaria as mãos finas do Miguel nas suas, sempre gélidas, e contar-lhe-ia tudo. Deitou uma baforada de fumo e fechou a janela.
Comentários: singelo, inatacável. Faltam-lhe loopings.
Talvez se dissesse que ela se deitara nua com o sócio no sofá branco pescaria o leitor, o que acham? Mas seria sempre sexo... logo no primeiro parágrafo. Que loopings sugerem? Aguardo propostas.

sábado, 19 de setembro de 2009

Change

Nunca, em momento algum da minha vida, me apeteceu mudar tanto de emprego como agora. Num momento de crise, aceito sugestões relativamente a negócios divertidos e que requiram um investimento relativamente aceitável, se puder utilizar este adjectivo tão polissémico. Estou numa fase demasiado pessimista para conceber cenários economicamente idílicos.
A hipótese ensino não se coloca de forma alguma. Ensino público então... don't bother.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Happy Birthday

Hoje foi um bom dia. A minha mãe fez anos. Bebemos uma garrafa de vinho ao jantar e apesar da informalidade da situação - já nos conhecemos desde sempre - a refeição esteve recheada de momentos descontraídos e pacíficos, característicos de um envelhecimento despretencioso e com algum humor. Ajudou o facto de nos termos embebedado. Eu, a minha mãe, e a minha avó de 87 anos. Todas com a mesma garrafa.

Hardness

Há coisas extremamente duras: o aço, um diamante e conhecermo-nos a nós próprios.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Anything new...

Nesta altura, ando tão assoberbada de trabalho burocrático que a minha veia criativa anda completamente adormecida. As escolas adoram isto, melhor, os professores que se refugiam nos cargos de poder porque a sua vida sexual é inexistente ou muito enfadonha adoram massacrar os seus subalternos com tabelas, tabelinhas, grelhas, reuniões para discutir o tamanho das borbulhas dos meninos e os planos que se poderão elaborar para recuperar casos geralmente perdidos. Eu faço parte dos que têm uma vida sexual interessante, o que me lixa logo. Assim, as únicas coisas que posso chamar lufadas de ar fresco são: o curso de escrita criativa que estou prestes a começar (tenho que fazer a maldita transferência... ando a esquecer-me!), o novo vídeo da Shakira e o programa do Gato Fedorento. A Shakira consegue mostrar grande parte do seu grande e sensualíssimo órgão chamado pele (já estava tudo a abrir a boca...) sem ser vulgar. Aquele so called vestido é muito mais giro que qualquer colecção da Fátima Lopes, mas para qualquer gaja normal com uma vida profissional activa caber numa coisa daquelas sem uma preguinha de fora precisaria de pelo menos um ginasiosinho particular. Também gosto do outfit da jaula. Faz-me lembrar a Brigitte Bardot. Não só pela roupa e cabelo mas também pela luta infatigável pelos direitos dos animaizinhos enjaulados. Qual não seria o homem decente que adoraria afagar a juba desta colombiana? E as mulheres decentes? Upa, upa.
Quanto ao Ricardo Araújo Pereira (porque ele é o Big Smelly Cat), quem mais neste país conseguiria que o Primeiro-Ministro português se assemelhasse a um verdadeiro ser humano por breves momentos? E o fizesse revelar sentido de humor? Este rapazinho tem talento. Devia candidatar-se à política. Este país teria muito mais piada.

domingo, 6 de setembro de 2009

Untitled

The demand to be loved is the greatest of all arrogant presumptions.
Friedrich Nietzsche.

CALL ME A PRESUMPTUOUS BASTERD.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Breasts

Quando estamos em convalescença e aproveitamos para seleccionar o que há de qualidade na imensidão de canais mais ou menos entediantes oferecidas por MEOS, ZONS e afins, deparamono-nos, raramente, com algumas curiosidades. Numa pequena rubrica sobre moda, explicava-se como se deve medir o tamanho do peito de uma mulher. É uma arte complicada, a medição dos peitos femininos. Deve medir-se primeiramente o tamanho do tronco. Toca de pegar numa fita métrica e rodá-la por volta das ditas cujas. Após o delicado procedimento, que deverá ser feito pela própria senhora para evitar convites indecorosos, deve medir-se novamente, desta feita, por baixo do braço e acima dos bicos das mamas. A diferença entre a primeira e segunda medidas é o tamanho da copa. A diferença entre copas é de 2 cm, isto é, 12 - copa A // 14 - copa B// e por aí adiante. Qual não foi a minha surpresa ao saber que as copas vão até à letra F mas, em Portugal, excepcionalmente (ao que parece) vai até à letra G. Suponho que para medir estas maminhas generosas serão precisas umas prateleiras ou uns apoios resistentes, para mantê-las devidamente hirtas. Talvez umas gruas G! G, pá! Umas com tanto e outras com tão pouco.
Eu meço as minhas a olho. Nunca me engano.
Quanto à medição masculina do peitinho do género oposto, sugiro o encaixe manual. Cabe na mãozinha então é perfeita. Sobra da mãozinha, pegam-se com uns abraços. É mais pequena que a mãozinha masculina, amputam-se uns dedos:). Não vale a pena seguir para o silicone. É muito doloroso. See you soon.

Barcelona

One can't help its beauty, its food, its people, its architecture and its multiculturality. Loved, more than ever.

At the hospital


E lá fui eu. Não estava particularmente nervosa. Acho que estava mais calma que toda a gente cá em casa. Lá fui pelo meu pé, encaminhada pela enfermeira para me mandarem esperar por mais 40 minutos. Cheguei às oito e meia. Eram dez para a uma. Só conseguia pensar em comida. Pataniscas de bacalhau com arrozinho de tomate. Lá fiquei. A mais jovem de um grupo de cardíacos masculinos, com mais de 60 anos, vestidos com os seus pijaminhos de calções e devidamente calçados com os chinelinhos oferecidos pela cunhada no Natal passado, para o caso de se dar um internamento. Há que estar bem calçado, é verdade. Eu levei o meu pijama mais colorido e juvenil. Há que estar apresentável e animada para combater o espírito de éter e o dramatismo de estar acamado indefinidamente. Além disso, todos os outros que tinha no roupeiro eram demasiado sexys para aquilo que me esperava.

O que me esperava era mais complexo e penoso do que havia imaginado. Deitada numa cama de operações, com um pano leve e uma camada anti radioactiva protectora em cima, aguardei a chegada de dois técnicos, o médico responsável e uma enfermeira. Anestesiaram-me a coxa e o pescoço com uma solução alcoólica que não só me deixou zonza como me encheu as nádegas de calor. I was definitely on fire. Infelizmente, não estava em condições de gritar para o médico "Ó, Sr. Doutor, se faz favor, sopre ou vá buscar um extintor!!". Aguentei até passar. A determinada altura já não me lembrava disso, porque o médico me estava a furar o pescoço e a coxa com catéteres e a enfiar tubo até ao coração. Não é fácil sentir a presença de fios alienígenas ao longo do corpo que vão disparando choques eléctricos para encontrar um circuito avariado. Encontraram o circuito e corrigiram-no. Isto durou cerca de duas horas. Intermináveis. Estive sempre consciente, esforçando-me por pensar que iria sair dali prestes a beber uns copos. Via os fios dentro de mim nos monitores ao lado. Tentei abstrair-me olhando para os quadradrinhos reluzentes das lâmpadas do tecto. Não eram muito inspiradoras. Tentei a música de fundo: "Loui..." dos Vaya Con Dios...Pior ainda... Se pensasse nas coisas boas que tenho na vida, dava-me logo para a lagriminha e dado que nem sequer conseguia coçar o nariz ou a nádega, tentei prestar atenção à conversa entre os médicos e os técnicos. Apesar da grande simpatia inicial, apelidando-me de princesa e fazendo piadas sobre a minha tez morena, naquele momento eu não passava mais do que um pedacinho de carne com o motor avariado e eles os grandes especialistas que me iriam pôr a funcionar de novo. E assim foi. Um êxito. Depois de tentarem uma modalidade nova para apanhar a minha taquicardia invasiva, a enfermeira lembrou-se de perguntar se eu precisava de alguma coisa. Quando a minha nuca já quase não tinha sensibilidade e o meu pescoço doía como se uma agulha de malha estivesse lá enfiada, é claro que precisava de uma mãozinha, if you please.

Depois de muitos cuidados para evitar que me esvaísse em sangue e de atarem a minha coxa como um salsichão, lá me enviaram para o recobro e daí para a enfermaria. Devo dizer que todos os enfermeiros e auxiliares da secção de cardiologia do Hospital de Santa Marta são extremamente amáveis e pacientes. Agradeço-lhes a simpatia e delicadeza. A verdade é que também não sou rapariga de me queixar. Além disso tenho uma mãe fantástica e um D. Juan, mais que atencioso, e de fazer virar a cabeça das meninas enfermeiras. No final de contas só espero não voltar lá tão cedo.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Bastards

Há muito tempo que não via um filme de que gostasse tanto. Que me enchesse as medidas. Claro que precisamos ter em consideração tratar-se de um filme de um realizador cuja mente e língua fervilham de ideias e palavras, nem sempre aguentando a torrente criativa. Desta feita, algo deixou que a criatividade fluísse calma e articuladamente. Há sempre uns esguichos de sangue chocantes, uma violência aparentemente excessiva e umas personagens estranhas, quase deslocadas (quando vi o Mike Myers pensei que ganharia uns tons esverdeados ao longo do discurso). Todavia, tudo é devidamente pensado e as bombas são largadas a seu tempo, com glamour, com planos ousados mas nunca descabidos. Entre os momentos cómicos protagonizados em particular pelo discurso delicioso de Brad Pitt, pelas fabulosas expressões idiomáticas do provincianismo sulista (devidamente adaptadas e traduzidas, há que notar), as misturas linguísticas e os tradutores momentâneos, o perfeccionismo alemão levado ao extremo, a sua falta de humor óbvia, o charme blazé francês e o pragmatismo pouco polido dos americanos, para não falar nas esperas de suspense hitchcockiano absolutamente deliciosas, tenho que destacar, como ingrediente principal do filme, a interpretação do austríaco Christoph Waltz. BRILHANTE. Five stars. Apesar da sua duração, não olhei uma única vez para o relógio. Isso é bom sinal. Ah, é verdade. A banda sonora foi mais comedida, ficando-se maioritariamente por instrumentais muito, muito bons.

domingo, 30 de agosto de 2009

Divorced at 10



Esta é uma história de bravura. Indiscutível. A coragem que advém de uma inocência e infantilidades provocadoramente honestas.
Há outros factos para além daqueles aqui apresentados. A criança foi convidada para aparecer em talk-shows na Europa e recebeu um prémio na América para mulheres do ano (embora a mesma queira ser tudo menos mulher de alguém). Viajou acompanhada da advogada que a ajudou a conseguir o divórcio. Regressou ao Iémene para voltar a estudar. Não voltou a pegar nos livros porque a família não quer, porque não há dinheiro, porque esperavam que todo este abraço ocidental, de mundo desenvolvido que se espanta com o atrevimento de quem se recusa a ser alvo de uma pedofilia legalmente consentida, os deixasse endinheirados. Não deixou. Lá está. Esquecida no meio da miséria, com os seus 15 irmãos e irmãs, o pai doente e a mãe triste pela desonra de que a família foi alvo. Anda o mundo ocidental preocupado com pais que deixam a sua filha viajar à volta do mundo com apenas 13 anos, quando estes as entregam meninas, ainda imberbes, nos braços de uns selvagens que se escudam atrás de uma religião que, pecando por ser omissa, lhes permite as maiores atrocidades contra o sexo considerado fraco, objecto de honra e de posse.

Há poucas coisas que me dão a volta ao estômago. Esta é uma delas. Só me apetece pegar numas bombinhas de plutónio, acabar com esta raça de homens e queimar todas as burkas de uma vez.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Writing 1

Ela estava pronta para ir mais além. O jantar fora agradável. O vinho alentejano que ele pedira deixara-a bem disposta. A massa também não lhe caiu mal, ainda que comida italiana fosse sinónimo de estagnação no seu dicionário social. Os jovens enamorados e pouco endinheirados é que se empanturram com pizza. Mas enfim, ele havia pedido para ela uma massa fina, com um molho estranho mas nada desagradável.
Ele falara de pintores, de viagens a Barcelona e a Madrid, a museus e fundações que ela sempre quisera visitar. Mesmo ali, quase ao pé de casa. "Sabes, um dia destes, fazem uma ligação rápida a Madrid e podes ir ao Prado sempre que quiseres. Ficar a olhar para as "Meninas" a tarde toda". Sim, ele também olhara para as meninas dela durante todo o jantar. Ela sabia que tinha nele um efeito mais empolgante que o Prado. Ela conhecia o Prado. Fora lá numa visita de estudo do secundário. Não se lembra de meninas nenhumas.
Na Gulbenkian sentira-se levitar. Aquelas vozes em uníssono e o embalo daquelas cordas faziam-na imaginar-se dona de uma inteligência emocional que desconhecia possuir. Sentia-se leve e muito emocionada. Ela acreditava verdadeiramente que ele poderia ter qualquer coisa fenomenal, algo de especial que lhe causasse um nervosismo acrescido, uma qualquer tontura quando ele lhe sussurrava ao ouvido. Ou talvez fosse o bom vinho alentejano do jantar, diluindo-se no sangue quente bombeado por tenores e contraltos, espicaçado por todas aquelas cordas em palco. Ela queria verdadeiramente que fosse ele. Tinha o peito perfumado, o cabelo bem aparado, umas orelhas discretas. Não há nada pior do que fazer amor com um alguidar, pensava, sentir-se-ia tentada a puxar-lhe ainda mais os abanos.
Era um homem culto, com uma profissão segura. Excelente para apresentar à família. As irmãs roer-se-iam de inveja. Ela seria penetrada por um fulgor totalmente diferente, tudo nela seria valorizado. Ela tinha os seus trunfos e sabia ter uma conversa muito agradável, gostava de lhe perguntar muitas coisas que lhe permitiam discorrer sobre as suas viagens, sobre os negócios da empresa, sobre as muitas coisas que havia descoberto e que com ela partilhava. Ela sabia que isso lhe dava poder e um homem poderoso é um homem atencioso. Inevitavelmente, ele elogiava a sua pele macia, os seus cabelos cor de avelã, a sua doçura. Tudo corria bem. Não havia motivos para o outro ir aparecendo em reminiscências durante o jantar.
O concerto inebriara-os. Ela estava consciente do passo seguinte, até porque ele lho sugerira com o calor dos lábios a entrar-lhe pelo ouvido dentro. Sim, vamos para um hotel. Deram umas voltas de carro até encontrarem um lugar condizente com a noite, romântico, discreto. Subiram. No elevador a certeza começou a desvanecer-se juntamente com o efeito do vinho. Ele tocava-a com a leveza de um escultor que admira a sua peça, sem invadir os panos que a cobrem antes da mostra ao público. Ela queria paixão, queria que ele deixasse as críticas artísticas para os jornais de domingo e a agarrasse ali, se imiscuísse pelos seus esconderijos, lhe avariasse todas as coordenadas. Quando entraram no quarto e ele se começou a despir, ela deixou-se ficar, erecta, expectante, a respirar fundo. Sentiu o cheiro do ambientador. Dos corpos que ali estiveram. O cheiro invisível da promiscuidade. E ele ali estava. Pronto para a receber. Ela olhou-o bem, assim, nu, excitado, à espera dela. Ela olhou-o mais uma vez. Virou-lhe as costas e saiu.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Vamos a banhos

Este edital é de 1941 e foi colocado pelo capitão do porto de Portimão. Reza algumas relíquias como as que se seguem:
"O fato de banho para senhoras deve ser inteiro. O calção será justo à perna e de corte direito. A frente do fato deverá cobrir a parte anterior do tronco, não podendo o decote ser exagerado a ponto de descobrir os seios. As costas poderão ser decotadas, sem prejuízo do corte das cavas que deve ser cingido às axilas."
"Não é permitido o uso de fatos que se tornem imorais pela sua transparência ou pela excessiva elasticidade do tecido."
"Às raparigas até 10 anos e aos rapazes até 12 não é aplicável o disposto no nº1, excepto nos casos de desenvolvimento precoce."
LINDO. Adoro a forma como lidavamos com os nossos impulsos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Facebook

Eu, que até nem gosto do senhor, dado os seus ares de arrogante, prepotente e supra-sumo do conhecimento e da humanidade, vejo-me obrigada a concordar perante esta visão do Facebook. Eu, que passei oficialmente a detestar o homem que abomina a profissão docente (deve ser por saber como a irmã trabalha e eu sinto-me perfeitamente à-vontade para a avaliar dado que fui sua aluna no ensino superior), vejo-me obrigada a concordar com o gajo/ comentador/ fumador compulsivo/ engatatão de capa de livro. Eu continuo a ter poucos amigos online e continuo a dar muitas, muitas negas. Não consigo manter amizades virtuais. Lamento. Gosto demasiado dos meus amigos para reduzir o conceito do amor que sinto por eles a listas infinitas de desconhecidos solitários.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Lobo Antunes

O amor tem destas coisas. Soube através do fabuloso Francisco José Viegas, que soube através de uma coluna de mexericos do Brasil que o grande escritor António Lobo Antunes, de 66 anos, se perdeu de amores por uma professora universitária brasileira de 30 anos. Bem gira, por sinal. Uma pequena pesquisa faz-nos chegar a todo o lado e, numa espreitadela para procurar quem seria a misteriosa mulher que, com tão poucos anos de vida, deixa abalado o coração de um génio solitário, envolvido na poeira do papel, imiscuído na intimidade das suas milhentas leituras, foi isto de descobri. Não sei porquê, acho que isto é um amor narcisista, de adoração. O mestre adorado e estudado pela aprendiz. A bela fascinada pelo seu objecto de estudo. Todos temos as nossas formas de amar e há diferentes formas de "firmar compromisso" como dizia o colunista brasileiro.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

church


Sendo Portugal um Estado laico, interrogo-me sobre as várias emissões em directo que passam na televisão que, supostamente, presta um serviço público a todos os portugueses. Não sei o que aprenderão os budistas, muçulmanos, protestantes, judeus e hindus portugueses, entre outros. Sei que eu não aprendo nada. Gostaria que estas emissões vindas de Fátima (emissões televisivas, que a dita senhora não deve apreciar nem as oliveiras de agora e muito menos os jovens pastores e portanto não "emite" mais nenhuma aparição) me elucidassem sobre a fé dos portugueses e a o eventual poder da mesma (curas, paz de espírito, afterlife, whatever, something). Mas não. Interrogo-me porque estarão tantos pinguins esbranquiçados de sotaque rural, com reminiscências de interior profundo à sombra, com ar de bons repastos e bons vinhos bebidos no lugar de sangue do Senhor, falando para um multidão de gente à procura de algo, à torreira dado o seu lugar na hierarquia. Alguns regressarão ao país que os acolheu, outrora emigrantes esfomeados, devidamente abençoados. A benção será tanta que poderão ser chamados antecipadamente para o reino dos céus através de um qualquer acidente estúpido numa auto-estrada francesa. Seja feita a buntade do Xínhôr.
Será que as tentações deste país não superam a vocação de orar para um povo vazio de ocupação? Não haverá carnes fracas entre aqueles todos aqueles senhores abatinados, descansando à sombra do mausoléu erguido em cima de uma oliveira? Onde estão os bons velhos franciscanos? Quem, destes senhores que vejo na televisão anda de aldeia em aldeia para abdicar de si e ajudar quem mais precisa? Poucos ou nenhuns. A bancada está cheia.
Fátima não me diz grande coisa. Mesmo assim, lembra-me uma passagem bíblica:
Marcos 11:15 E foram para Jerusalém. Entrando ele no templo, passou a expulsar os que ali vendiam e compravam; derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas.
Marcos 11:16 Não permitia que alguém conduzisse qualquer utensílio pelo templo;
Marcos 11:17 também os ensinava e dizia: Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós, porém, a tendes transformado em covil de salteadores.

Solnado

Porque era um humorista absolutamente fabuloso, porque tinha tiradas geniais, porque usava o silêncio como ninguém, a espera, aguentava o riso compulsivo do público e manipulava-o, deixo aqui a homenagem a Raúl Solnado. Todavia, escrevo também porque ele telefonou a um grande amigo, sabendo que o seu coração estava por um fio, querendo despedir-se de quem partilhou os êxitos consigo: Carlos Cruz.
O que causa alguma estranheza é como tantos amigos deste antigo portento da televisão e comunicação nunca o abandonaram. Nunca. Será que não percebemos as taradices dos nossos amigos? Será que em anos e anos de convivência desconhecemos que são criminosos pérfidos, manipuladores, potenciais usurpadores da inocência infantil? Será que conseguimos dissimular assim tão bem? Serão assim tão ignorantes os nossos mais fiéis amigos? Ou será que alguém se enganou? Será que as amizades eternas perdoam os crimes mais hediondos? Achei interessante aquele telefonema. Continuo sem saber quem é inocente. Isso incomoda-me. Ainda que nos dissesse para "fazermos o favor de sermos felizes" há sempre rios de dúvida lamacenta pelo meio.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Momentarily favourite song III



Adoro estas reminiscências das "chicotadas" dos eighties.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Two Lovers

Porque nem sempre amamos a pessoa certa. Porque não sabemos ao certo o que é amar. Porque também apetece morrer por amor. Porque a monotonia nos mata. Porque a tradição enclausura e sufoca. Porque há escolhas, alternativas. Porque há diferentes tipos de morte. Porque o Joaquin Phoenix é muito bom actor, muito misterioso, enigmático na sua diferença e a Gwyneth Paltrow tem mamas novas para mostrar (pronto, pronto, a senhora é uma excelente actriz). Porque às segundas o bilhete é mais barato. Porque os planos são muitíssimo bons, assim como a fotografia. Porque um bom filme não precisa de uma história épica. A simplicidade das nossas vidas mundanas pode ser um grande drama. Porque um amor não aparece ao virar da esquina. Mas porque pode aparecer, saiam de casa e vão ao cinema. Também tem uma boa realização. Peço-vos... evitem salas com pipocas. Estragam os bons silêncios.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Justice

Isaltino foi condenado a 7 anos de prisão efectiva. Isaltino Morais foi condenado a 7 anos de prisão efectiva. E a perda de mandato. Prisão efectiva e perda de mandato. 7 anos. Prisão. Prisão. Prisão... Vejo uma luz ao fundo do túnel? Vejo? Vejo?

domingo, 2 de agosto de 2009

Short talk

Dizia a minha tia sobre o recente fim de um casamento de um outra afilhada sua (isto dos divórcios parece praga): "A mãei só fala contra o gênro mas eu óvi-a (à filha) a respondê-le (ao marido) "à besta". Foi na Páscoa. O coitadinho do rapaz, tan delicado, disse-le qálqé coisa e ela dê-le um coice... e ê penséi - o cáldo tá intornado. Agora dêxou-o. O rapaz já tinha indo travalhár pá Alemanha e ontrodia ela saiu de casa, nei. Tu já me biste isto!! A priga dêxo-o e ele abalou de bez pra travalhar lá. Os pais dela queriêm savêri e ela lebou-o lá a casa e disse: "Ê já nam gosto dele. E ele tem outros gostos!"
O rapazinho é uma simpatia e agora tam-lhe a pôr este defeito assim, néi, cume s'ele fosse paneleiro, nã tá bem. Ela tava bem era calada, ai ai. Rais ca ta partissa mas ó dinhêro qu'ê gastei na merda do vestido."
E é assim. Uma pessoa deixa de amar... Uma pessoa descobre que afinal é gay... Mas há que pensar bem nestas probabilidades antes de se escolher a madrinha.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Holiday books

Leituras de férias, que adorei:

Budapeste, Chico Buarque ( as angústias de um leitor anónimo às voltas com a sua identidade pessoal e profissional, dividido entre dois continentes e duas línguas)
Amsterdão, Ian McEwan (os rancores e ressentimentos passados entre homens que partilharam a mesma mulher, tudo revelado de forma irónica e com um divertimento sombrio... very British)
Longe de Manaus, Francisco José Viegas - ainda estou a adorar, porque a leitura vai a meio mas confesso que me rendi ao estilo pouco usual deste policial. Está a valer a pena.

Into the heart

- Isto não é uma cirurgia. É uma pequena intervenção. Entra um tubinho pela virilha, vai até ao coração e descobre o circuito errado.
- Ah, bom. Como?
- A menina diz-nos quando despertarmos esse circuito.
- Vou estar acordada, portanto?
- Vai, tem que ser. Mas não custa nada.

Já sabia há muito que tinha que passar por isto. Que me iriam vasculhar as veias, com tubinhos artificiais, fingindo-se enguias salvadoras em busca do circuito que dispara quando não deve. Eu sabia que teria máquinas e seres alienígenas a percorrerem-me o peito, vasculhando memórias, sentimentos, paixões, misturados com o meu sangue e invadindo-me o relógio de corda. Embora os riscos sejam mínimos, preferia não saber da sua existência. Apenas os concebo nos carros e nunca no meu.
Não gosto de riscos, não gosto de agulhas e não gosto do cheiro a éter. Sou muito optimista no que toca aos hospitais, principalmente quando vou visitar outras pessoas e volto para me reconfortar com a comidinha caseira, plena de sal e de temperos mediterrânicos, sem homenzinhos de bata branca e "croques" à volta da minha cabeceira. Não gosto de perscrutem o meu interior, principalmente tratando-se de desconhecidos com luvas e bisturis. Nem sequer gosto da ideia e até começo a achar que vou sentir falta das arritmias.
Apesar de todo este meu descontentamento, acho que quando nos metemos numa coisa é para levá-la até ao fim. Assim sendo... venha de lá a faquinha e o tubo. Vamos a isso.
P.S. - Achei engraçado perguntarem-me qual a minha religião... seria com o intuito de chamar um padre relojoeiro, não fosse a corda falhar? Nã, seria demasiado mórbido...

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Envy


Posso tender para qualquer um dos sete pecados mortais, com especial incidência para a luxúria e para a gula, tudo numa dose simpática, de pecadozinho aceitável. Não tendo a invejar. Posso perfeitamente chamar "cabra" até mesmo "put.." a uma mulher perfeita mas apenas como mostra de admiração. As palavras vão sempre vazias de conteúdo. Não quero para mim o que não é meu. Todavia, há três coisas que invejo nos outros, nomeadamente nas mulheres: cabelos fortes e sedosos, dentes fortes e unhas dos pés.



Sabendo que os três itens têm o seu quê de enigmático e estranho, e querendo evitar uma imagem de Dexter mórbido que guarda little pieces of body parts in the drawer, devo explicar que a escolha não se deve ao facto de ser desdentada, ter garras no lugar de unhas ou ser careca. Apenas tenho um cabelo demasiado leve para resistir a uma ventania sem ficar com um novo penteado; uns dentes que me obrigam a saltar de dentista em dentista até encontrar o arquitecto perfeito (indolor e duradouro, no chumbo, I mean) e a ter desconhecidos a enfiar brocas na minha boca; e uns pés tão pequeninos que me obrigam a pintar a cabeça do dedo mindinho para fingir que tenho lá uma unha de gente adulta. Se isto não são motivos suficientes para invejar, não sei o que será.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Concert

Ontem fomos ver um concerto. Comprei os bilhetes há muito tempo, como faço sempre, para poder escolher os lugares. Plateia B. Chegámos. Chovia. Piso em relva. Lixei as sandálias todas. Cadeiras de madeira. Espanholas. Alugadas. Todas molhadas. Até aqui o panorama nem era dos mais complicados. Lá fomos para os nossos lugares. Éramos um grupo de oito mas fomos os dois primeiros a chegar. Os lugares eram encostados ao que se podia chamar um "corredor central". Ao fundo do corredor, mais próximo do palco, estavam os técnicos de luzes e som. Ora, como ainda chuviscava, decidiram colocar uma tenda, estilo árabe, bem alta, por cima dos ditos. Resultado: não víamos NADA. O ângulo de visão das pessoas encostadas ao corredor (umas 100) estava todo tapado pela tenda. Fui averiguar. Passo a registar a conversa com as meninas que dão as indicações:
Eu: Desculpe, mas aquela tenda vai manter-se ali durante todo o concerto?
Menina: Vai.
Eu: Ora bem ... não sei que alguém reparou mas não se vê o palco e como eu paguei, e bem, para ver o concerto, gostaria que alterassem a situação.
Menina: a tenda não vai sair mas eu vou falar com o meu coordenador e logo vemos.
Eu: Mas se a tenda não vai sair, nós podemos mudar as cadeiras para o outro lado da plateia (com muito espaço livre).
Menina: Não, isso não. Eu vou falar com o meu coordenador e se não se puder fazer nada depois a senhora faz a reclamação (eu tinha avançado logo com a possibilidade de ter o dinheiro de volta... entrei a matar, eu sei).
Eu: vou ficar a escrever uma reclamação durante o concerto????
Ela afastou-se para encontrar quem a tirasse da alhada. Entretanto, outro casal com visão diminuta também se aproximara de nós para partilhar o seu desconforto. Aliás, todas as pessoas que foram chegando ficaram estupefactas com uma tenda à frente do palco (só não incomodava os meninos da plateia A. Pagaram mais, ninguém iria aborrecer os riquinhos).
Regressa.
Menina: a tenda vai provavelmente sair.
Tempo de espera... a panela a pressão começa a aquecer...
Senhor da fila de trás vai perguntar aos técnicos se o turbante branco vai ser retirado (já parara de chover). Técnicos respondem que não. Panela começa a assobiar.
Depois de alguma confusão, os organizadores do evento percebem (ainda me interrogo como não perceberam o que estavam a fazer quando colocaram as cadeiras... parecia um quadro de Dali) e começam a afastar as cadeiras para o lado, uma sugestão que, recordo, havia dado inicialmente mas que pareceu disparatada para as meninas da organização.
Voltei a aborrecer-me com os atrasos dos portugueses e o facto de passarem no intervalo das plateias - estava a ver o concerto com sombras a caminhar à frente da cantora... Sugeri que mandassem as pessoas dar a volta por trás da plateia B, já que havíamos sido pontuais.
Quando dizem que Portugal não avança por questões de organização, tento enganar-me e imaginar que toda a gente funciona como o meu grupo de amigos... Depois tenho epifanias destas que me fazem perceber o que falha. É tão óbvia a ausência de massa encefálica que fico muito, muito assustada.
Mais engraçado... mesmo antes do concerto começar, depois de toda a gente ter mudado de lugar, tiram a tenda. Go figure.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Jogging


Sou uma adepta do jogging. Sempre gostei de correr. Corro no trabalho, em casa, no trânsito, corro para os espectáculos, para as livrarias, corro para ser pontual, corro para ir ter contigo, corro. Tudo começou no básico quando o professor do 6º ano percebeu que eu não tinha paciência para mariquices e gostava era de competir com os meninos. Esmifrava-me, mas lá ficava no grupo da frente. A partir daí fui a tudo o que era corta-mato. Uma dessas vezes, a menina que liderava o pelotão enganou-se e fizemos quilómetros intermináveis. Sempre atrás dela. A correr, a correr... até a polícia e os pais nos irem buscar.

Depois do fanatismo escolar, optei pela corrida para emagrecer. Numa altura em que estudar era também sinónimo de comer porcarias secas, como bolachas e cereais, decidi perder peso (até porque com o capacete enfiado, as bochechas já não me deixavam ver a estrada). Voltei a correr para depois comer iogurtes naturais com maçãs. Durante a noite sonhava que corria mas numa perseguição feroz atrás de um bitoque rodeado de batatas fritas. Comecei a levar a minha cadela para correr. Agora levo o meu cão, mas a dobermann era mais atleta e pouco dada a snifadelas. Este parece um caçador e cada vez que vê uma poça repleta de lama decide fazer um tratamento ao pêlo. A corrida não é tão fluída.

Depois de alguma inércia por motivos profissionais, voltei à carga ontem. Voltámos, porque o V. foi comigo. Começámos bem. Todavia, à medida que nos íamos aproximando do fim da primeira fase (rodar o aquário gigante) eu só pensava no caminho de regresso. Sempre que o V. me perguntava se estava bem, as minhas pernas respondiam "Sim"... mas a minha cabeça só pensava "Tás linda, tás, não chames o INEM que não é preciso". No regresso, o V. insistiu para que impusesse o meu ritmo. "Ritmo?" Onde, qual? A idade é uma coisa tramada. Corre connosco mas apenas para nos pesar no peito. Está visto que corro, sim, mas não como antigamente. Tenho que insistir. Nunca fui de desistir por isso vou correr. Correr muito para quando me perguntares "estás bem?" eu responda "Bem???" "Estou óptima" e te vejas aflito para me apanhares.