quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Creative writing

Lá me decidi a acompanhar uma amiga minha para um mini-curso de escrita criativa. Logo para abrir a sessão, 15 minutos para escrever um parágrafo-anzol. Eu, pescadora, o leitor, o peixinho que se deve seduzir com informações relativas ao género, tom, personagens, dilemas, espaço e tempo. Fiquei com a sensação de contar o livro todo num só parágrafo e isso é demasiado frustrante. É mais ou menos como a ejaculação precoce. Decidi não falar sobre sexo, por uma questão de educação e decoro. Não queria cair na banalidade fácil. Despachei o policial para o lado porque era demasiado óbvio. Nunca sofri tanto em 15 minutos. Isto foi o que consegui:
Estava na hora de mandar entrar o paciente seguinte. Era preciso sugar o cigarro fervorosamente para aguentar uma hora de sofrimento alheio. Cada vez mais lhe pesavam aquelas confissões abruptas no sofá branco que o Pedro comprara para o consultório. Maria discordara do sócio. O vermelho tradicional, quase chaise longue, aproximava-se mais das várias loucuras que ali buscavam remédio rápido a custo elevado. Respirou fundo. Deixou que a nicotina a invadisse. Esperou um pouco. Numa displicência adolescente, atirou a beata para a rua, ignorando os transeuntes. Olhou para os automobilistas encarcerados na capital, em hora de ponta, regressando a casa. Invejou-os. Dali a pouco, depois de despachar a suicida reincidente, também ela iria para o outro lado do rio. Pousaria o seu corpo esguio na poltrona da sala, guardaria as mãos finas do Miguel nas suas, sempre gélidas, e contar-lhe-ia tudo. Deitou uma baforada de fumo e fechou a janela.
Comentários: singelo, inatacável. Faltam-lhe loopings.
Talvez se dissesse que ela se deitara nua com o sócio no sofá branco pescaria o leitor, o que acham? Mas seria sempre sexo... logo no primeiro parágrafo. Que loopings sugerem? Aguardo propostas.

6 comentários:

via disse...

ehehe, acho que a beata se foi queixar de ter sido assim atirada sem um sinal de reconhecimento, avessa a alturas enjoou e depois, chamaram a GNR. Foi tudo dentro, menos a mão gélida, essa ficou de fora, de todos era a única que não acreditava em ficções! bjos miúda e bom curso, depois vamos fazer um de humor...

Cassandra disse...

Essa é bem recambolesca. Gostei:) Sim, eu e o humor combinamos mais. A angústia é mais divertida. Combinado!

Gilinho disse...

Gostei muito... e senti-me "pescado".
De loopings só me lembro do da feira popular (lá está a minha veia saudosista), quanto à capacidade de captar a atenção do leitor acho que o conseguiste... para quando um livro? Bj. grande, V.

J. Maldonado disse...

Se acrescentares uma cena à Instinto Fatal, onde a personagem feminina cruze e descruze as pernas deixando entrever a vulva depilada numa minissaia curtíssima, acredito que se torne num looping interessante... :)
Pode ser que este meu post antigo te inspire:

http://a-terceira-via.blogspot.com/2008/09/divina-comdia-no-metro.html

Cassandra disse...

Obrigada pela sugestão, Maldonado. Espreitei. Muito bem escrito mas pode, eventualmente, afastar algumas leitoras femininas:).

Cassandra disse...

Como vais aguentar a minha angústia para escrever um livro? Preciso de inspiração... sei lá, umas viagens pela América do Sul, o que achas, V.?
Beijo grande. No birdies:))