E lá fui eu. Não estava particularmente nervosa. Acho que estava mais calma que toda a gente cá em casa. Lá fui pelo meu pé, encaminhada pela enfermeira para me mandarem esperar por mais 40 minutos. Cheguei às oito e meia. Eram dez para a uma. Só conseguia pensar em comida. Pataniscas de bacalhau com arrozinho de tomate. Lá fiquei. A mais jovem de um grupo de cardíacos masculinos, com mais de 60 anos, vestidos com os seus pijaminhos de calções e devidamente calçados com os chinelinhos oferecidos pela cunhada no Natal passado, para o caso de se dar um internamento. Há que estar bem calçado, é verdade. Eu levei o meu pijama mais colorido e juvenil. Há que estar apresentável e animada para combater o espírito de éter e o dramatismo de estar acamado indefinidamente. Além disso, todos os outros que tinha no roupeiro eram demasiado sexys para aquilo que me esperava.
O que me esperava era mais complexo e penoso do que havia imaginado. Deitada numa cama de operações, com um pano leve e uma camada anti radioactiva protectora em cima, aguardei a chegada de dois técnicos, o médico responsável e uma enfermeira. Anestesiaram-me a coxa e o pescoço com uma solução alcoólica que não só me deixou zonza como me encheu as nádegas de calor. I was definitely on fire. Infelizmente, não estava em condições de gritar para o médico "Ó, Sr. Doutor, se faz favor, sopre ou vá buscar um extintor!!". Aguentei até passar. A determinada altura já não me lembrava disso, porque o médico me estava a furar o pescoço e a coxa com catéteres e a enfiar tubo até ao coração. Não é fácil sentir a presença de fios alienígenas ao longo do corpo que vão disparando choques eléctricos para encontrar um circuito avariado. Encontraram o circuito e corrigiram-no. Isto durou cerca de duas horas. Intermináveis. Estive sempre consciente, esforçando-me por pensar que iria sair dali prestes a beber uns copos. Via os fios dentro de mim nos monitores ao lado. Tentei abstrair-me olhando para os quadradrinhos reluzentes das lâmpadas do tecto. Não eram muito inspiradoras. Tentei a música de fundo: "Loui..." dos Vaya Con Dios...Pior ainda... Se pensasse nas coisas boas que tenho na vida, dava-me logo para a lagriminha e dado que nem sequer conseguia coçar o nariz ou a nádega, tentei prestar atenção à conversa entre os médicos e os técnicos. Apesar da grande simpatia inicial, apelidando-me de princesa e fazendo piadas sobre a minha tez morena, naquele momento eu não passava mais do que um pedacinho de carne com o motor avariado e eles os grandes especialistas que me iriam pôr a funcionar de novo. E assim foi. Um êxito. Depois de tentarem uma modalidade nova para apanhar a minha taquicardia invasiva, a enfermeira lembrou-se de perguntar se eu precisava de alguma coisa. Quando a minha nuca já quase não tinha sensibilidade e o meu pescoço doía como se uma agulha de malha estivesse lá enfiada, é claro que precisava de uma mãozinha, if you please.
Depois de muitos cuidados para evitar que me esvaísse em sangue e de atarem a minha coxa como um salsichão, lá me enviaram para o recobro e daí para a enfermaria. Devo dizer que todos os enfermeiros e auxiliares da secção de cardiologia do Hospital de Santa Marta são extremamente amáveis e pacientes. Agradeço-lhes a simpatia e delicadeza. A verdade é que também não sou rapariga de me queixar. Além disso tenho uma mãe fantástica e um D. Juan, mais que atencioso, e de fazer virar a cabeça das meninas enfermeiras. No final de contas só espero não voltar lá tão cedo.
6 comentários:
O importante é que tudo correu bem. Melhoras!
Muito obrigada. Por uns dias, dedico-me ao zapping:))
Boa!!! é assim mesmo, queremos ver-te em forma :)
Beijinhos
Nem imagino o que tenha sido.Mas, agora que passou, importa é que estejas bem!!
Sorrisos!!
Apenas um Gajo: é uma experiência interessante... eléctrica, I should say. Obrigada :).
Apple:
Foi uma experiência diferente. Senti-me um pedação de carne com um relógio dentro. Acho que agora os ponteiros estão certinhos:)) Obrigada:)
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