Ela estava pronta para ir mais além. O jantar fora agradável. O vinho alentejano que ele pedira deixara-a bem disposta. A massa também não lhe caiu mal, ainda que comida italiana fosse sinónimo de estagnação no seu dicionário social. Os jovens enamorados e pouco endinheirados é que se empanturram com pizza. Mas enfim, ele havia pedido para ela uma massa fina, com um molho estranho mas nada desagradável.
Ele falara de pintores, de viagens a Barcelona e a Madrid, a museus e fundações que ela sempre quisera visitar. Mesmo ali, quase ao pé de casa. "Sabes, um dia destes, fazem uma ligação rápida a Madrid e podes ir ao Prado sempre que quiseres. Ficar a olhar para as "Meninas" a tarde toda". Sim, ele também olhara para as meninas dela durante todo o jantar. Ela sabia que tinha nele um efeito mais empolgante que o Prado. Ela conhecia o Prado. Fora lá numa visita de estudo do secundário. Não se lembra de meninas nenhumas.
Na Gulbenkian sentira-se levitar. Aquelas vozes em uníssono e o embalo daquelas cordas faziam-na imaginar-se dona de uma inteligência emocional que desconhecia possuir. Sentia-se leve e muito emocionada. Ela acreditava verdadeiramente que ele poderia ter qualquer coisa fenomenal, algo de especial que lhe causasse um nervosismo acrescido, uma qualquer tontura quando ele lhe sussurrava ao ouvido. Ou talvez fosse o bom vinho alentejano do jantar, diluindo-se no sangue quente bombeado por tenores e contraltos, espicaçado por todas aquelas cordas em palco. Ela queria verdadeiramente que fosse ele. Tinha o peito perfumado, o cabelo bem aparado, umas orelhas discretas. Não há nada pior do que fazer amor com um alguidar, pensava, sentir-se-ia tentada a puxar-lhe ainda mais os abanos.
Era um homem culto, com uma profissão segura. Excelente para apresentar à família. As irmãs roer-se-iam de inveja. Ela seria penetrada por um fulgor totalmente diferente, tudo nela seria valorizado. Ela tinha os seus trunfos e sabia ter uma conversa muito agradável, gostava de lhe perguntar muitas coisas que lhe permitiam discorrer sobre as suas viagens, sobre os negócios da empresa, sobre as muitas coisas que havia descoberto e que com ela partilhava. Ela sabia que isso lhe dava poder e um homem poderoso é um homem atencioso. Inevitavelmente, ele elogiava a sua pele macia, os seus cabelos cor de avelã, a sua doçura. Tudo corria bem. Não havia motivos para o outro ir aparecendo em reminiscências durante o jantar.
O concerto inebriara-os. Ela estava consciente do passo seguinte, até porque ele lho sugerira com o calor dos lábios a entrar-lhe pelo ouvido dentro. Sim, vamos para um hotel. Deram umas voltas de carro até encontrarem um lugar condizente com a noite, romântico, discreto. Subiram. No elevador a certeza começou a desvanecer-se juntamente com o efeito do vinho. Ele tocava-a com a leveza de um escultor que admira a sua peça, sem invadir os panos que a cobrem antes da mostra ao público. Ela queria paixão, queria que ele deixasse as críticas artísticas para os jornais de domingo e a agarrasse ali, se imiscuísse pelos seus esconderijos, lhe avariasse todas as coordenadas. Quando entraram no quarto e ele se começou a despir, ela deixou-se ficar, erecta, expectante, a respirar fundo. Sentiu o cheiro do ambientador. Dos corpos que ali estiveram. O cheiro invisível da promiscuidade. E ele ali estava. Pronto para a receber. Ela olhou-o bem, assim, nu, excitado, à espera dela. Ela olhou-o mais uma vez. Virou-lhe as costas e saiu.