Os professores têm uma sala de castigo. Castigo porque têm que lá estar fechados à espera que os chamem para a guilhotina: tentar disciplinar os selvagens de outro colega que ficou em casa com uma depressão repetida. Selvagens que o professor substituto não conhece. Substituto que os selvagens não respeitam mas que podem atacar e ignorar, uma vez que não faz parte da trupe habitual. Quando não nos chamam para nada disso, esperamos por alunos excluídos. Aqueles que esgotam a paciência rarefeita dos professores. Os gajos que se balançam na cadeira, ao fundo da sala, com as franjas longas, as calças descaídas. Os hiperactivos, mal-educados, engatatões, sabichões, incompreendidos ou simplesmente parvos. Ontem calhou-me um desses.
O Gustavo não me calhou este ano por sorte mas conheço-o das listas. E das asneiras. O coitado tinha que escrever uma composição sobre o Amor nos nossos dias. Portou-se mal na aula de Português. Como ninguém os deixa ir espairecer para a rua, desentorpecer as pernas disformes e libertar a tensão sexual típica de adolescentes borbulhantes, os alunos portam-se mal na sala de aula. Quando o fazem, voltam a enclausurá-los. Desta feita, numa sala minúscula, sozinhos com um ou mais professores.
O coitado do Gustavo ficou incomodado. Ali, sozinho comigo. (Se não abrir o sorriso costumo ser assustadora). Disse-lhe que ele era inteligente e que certamente faria bem aquela composição. O peso do elogio... ah! Uma arma preciosa. Era preciso impressionar-me. Ficou aflito. Pediu-me umas ideias.
- O que é o amor para ti? - Perguntei-lhe.
- Sei lá... Isto é complicado. - respondeu.
- Pois, o amor sempre foi e será um assunto complicado. Mas quais são as diferenças entre o amor de agora e do tempo dos teus pais, ou dos teus avós?
- Ah, os rapazes agora são muito abusados e as raparigas muito tolerantes... É tudo muito fácil. Chega-se lá num instante.
- Suponho que te refiras especificamente à relação física. isso é uma parte do amor. Mas amor, amor, sentimento... não é um simples momento físico. Como poderias defini-lo?
- Bem... acho que o amor acontece quando sentimos que não conseguimos viver sem aquela pessoa. Sim, quando achamos que a vida sem aquela pessoa é impossível. - Sorriu, envergonhado.
- Acho que estás no bom caminho, Gustavo. - Devolvi-lhe o sorriso.
1 comentário:
mas que excelente definição, demos as voltas que dermos, é verdade. ponto. as modernices e relativisses não mudam nada à essência das coisas. Boa Gustavo, ai as crianças senhor!
Enviar um comentário