domingo, 10 de outubro de 2010

Tempest

Falava alto. A voz aberta misturava-se com o ribombar do mar, lá fora, a esgalhar as rochas frágeis. Ele bebia caipirinhas umas atrás das outras, esperando que ela o acompanhasse e soltasse mais do que a voz.
Enquanto bebia o meu chocolate quente e as minhas pernas absorviam as gotas da chuva impregnadas nas calças de ganga, ouvia o discurso vago de quem vagamente se conhece.
O ar dos signos. Ele era balança. Ela achava que ele tinha capacidade de voar. Certamente teria, depois de mais algumas caipirinhas e atendendo ao vento que batia nas janelas à nossa volta. Não faço ideia se ela seria terra, fogo ou água. Talvez água. Muito volátil. Encostava-se às paredes de madeira com a lassidão dos eternos ébrios de alma. Ele pendurava-se na caipirinha e no discurso dela. Veio a libertinagem:
- Conheço um homem que vive com duas mulheres. Assim, de forma aberta. – disse ela. Vivem bem, dessa forma. Nenhum dos três se importa. Não percebo porque temos que ser todos formatados. Uma pessoa ser dona de outra e ser apenas isso. - Continuou.
Mudei de ideias. Ela deve ser fogo.
- Não conseguiria uma coisa dessas - disse ele.
- Nem na intimidade? – explorou ela, atrevida.
- Não - afirmou ele. E seguiu-se o discurso da praxe para a fazer crer que a união física é única e aquela mulher com quem ele quer se esconder da tempestade preenche-lhe todo o imaginário e que o enrolanço com duas mamalhudas atléticas nunca lhe eriçou os pêlos e outros apêndices…
Ela responde-lhe com um cliché semelhante: - És o primeiro homem que oiço dizer isto. Que engraçado!- As mulheres mentem tão facilmente. E a sorrir.
Dão gargalhadas. Ela foi simpática. Ele cavalheiro. Nenhum dos dois ficou convencido mas para o objectivo final também não interessa. Quantos de nós revelam as fantasias mais estranhas nos primeiros encontros? Ou no milésimo? Somos sempre um pouco o que o outro quer de nós.
Eles riam-se, satisfeitos com o calor que lhes subia pelas palhinhas, misturando-se com o sangue outonal.
Começou a trovejar mas eles mantinham-se alheios às vagas imensas que pareciam galgar o paredão. Ele esticou as pernas e encostou-se à parede de madeira, embrenhando-se na lassidão dela, deixando que o seu fogo o queimasse.

1 comentário:

via disse...

bons encontros e boa música! what else?