quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Channels

Antes do tremeluzir das imagens reflectidas nas córneas dos humanos ocupar o centro das salas de qualquer pequena família, os seres falantes produziam longas sequências de palavras ao jantar, alguns até com asneiradas pelo meio - que nunca fizeram mal a ninguém (a não ser ao seleccionador nacional). As pessoas invadiam-se sem pudores, perscrutando estados de alma no vítreo pestanejar que com elas partilhava a lareira. Amantes inexperientes falavam dos sacos de farinha comprados para o pão, das dores nas costas massacradas pelo trabalho do campo, descobrindo novos prazeres no roçar acidental das ancas. Interrompiam a profusão silábica para explorarem outros sons. Antes da caixa, falava-se da camisa que perdera o botão e do estranho inchaço no pulso. Falava-se de comida e de coisas fúteis. Diálogos futilmente imprescindíveis. Inventavam-se sentimentos como música de fundo, palavras doces eventualmente tão frágeis quanto ilusórias. Mas palavras. Música da alma. Por isso não consigo deixar de sentir uma profunda perda na minha génese assim que me agarro ao comando do MEO e me conforto com um zapping apaziguador.

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