domingo, 22 de agosto de 2010

A year in particular

Ouvia no outro dia a M80 não só para me aperceber de que os brancos que me gritam ao espelho não são fruto de cataratas precoces mas também para ter consciência de que não sou da década de noventa. Os anos dos enchumaços, cabeleiras com madeixas e blazers tamanho XXL é que são a minha onda. Saudades.
O locutor deu destaque a 1988, ano em que Rosa Mota ganhou o ouro em Seul. Lembro-me bem. Devido ao fuso horário desmesurado, a família acampou no sofá cama da sala e os três passámos a noite a aguardar a antecipada vitória da senhora portuguesa com nome de acelera. E lá vinha ela. Recordo com alegria as palmas de minha mãe e as lágrimas improváveis do meu pai. Senti o meu patriotismo de menininha elevar-se no peito e ... eis senão quando ela corta a meta... e levanta os braços. Dois tufos negros como doninhas enroscadas em suor expõem-se para todo o planeta. Segundos antes estava orgulhosíssima do feito daquela portuguesa e mal a fita caiu só conseguia pensar que todos iriam imaginar as portuguesas como seres cabeludos, descendentes imediatos de Sansão, sem Dalilas, máquinas, ceras ou gilettes que lhes cortassem o pêlo. Vergonha, vergonha. Que feito, exultava o país. A mulher correu 42 quilómetros para nos deixar na história como gajas que não se depilam. Não era um feito acessível a todas, verdade seja dita. Nem seria fácil de esquecer aquela visão espessa.
No Verão seguinte, lá rumámos a casa da família algarvia, numa altura em que o Algarve não era tão ALL e o país não empinava com o acampamento maciço de saloios e tripeiros. Olhar para as pessoas sempre me deliciou porque o manancial da estranheza e variedade que nos dão é tão rico como o Zoo de Lisboa, sendo que no Bairro Alto essa visão é mais imediata e feliz. Podemos inventar histórias e imaginar como será a intimidade dos estranhos na casa-de-banho, no quarto, no local de trabalho (este blog tem distopia no título, não digam que não foram avisados). Enquanto torrava a "pelinha" jovem e nada alérgica naquela altura, pude apreciar várias estrangeiras grandes e brancas, que emitiam sons guturais agressivos e semelhantes a símios em busca de acasalamento. Curiosamente, reparei que a alvura das suas longas pernas e braços era polvilhada por tufos estufadinhos semelhantes a alfaces enroscadinhas em sacos de plástico para se espraiarem pelas virilhas e braços firmes e hirtos através de pêlos mais ou menos pretos, absolutamente selvagens e indisciplinados, desconhecedores do fascínio das lâminas. Nessa altura, só nessa altura, achei que a pelagem da nossa Rosinha não era assim tão má. Afinal, garantira-lhe uma medalha de ouro, a coitada não foi para passear as várias cabeleiras para a praia. Todavia, passe o tempo que passar, quando penso naquela vitória, não consigo tirar a imagem dos braços erguidos e do bosque chamuscado mostrado ao mundo. São daqueles momentos dos anos 80. Ficam para sempre.

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