O tempo que este título aqui esteve sem nada resultou não só de uma qualquer virose que me atirou para umas urgências improvisadas no concelho de Sintra (livre-nos Deus ou qualquer outra entidade que gere as indisposições profundas e os vírus gastro-intestinais de adoecermos de madrugada neste país.. nada está operacional) mas também pela burocracia pela qual se orienta o meu local de trabalho. Chamemos-lhe uma dupla bactéria... Só quero ver se a nova ministra da educação não vai ser apenas mais uma "aventura", if you catch my drift.
Ora bem, com ou sem dores abdominais e calafrios, lá nos atirámos ao DocLisboa e este ano acertámos em cheio nas escolhas.
Letters from the Shadows - a esperança desfeita dos emigrantes africanos que, depois de enfrentarem desertos sem clemência, barcos inundados pela intempérie e pelo fedor dos corpos putrefactos que é preciso deitar no Mediterrâneo, chegam a uma Espanha que nada tem para lhes oferecer a não ser tardes vazias passadas na escadaria de uma igreja. Os "morens", como lhes chamam os catalães, têm aqui a oportunidade de mostrar a cara clandestina e esfomeada. Expõem a vergonha de nada conseguirem. Mostram à câmara a saudade dos pais e irmãos cujas caras já não reconhecem na memória. Mostram a miséria e a tristeza de estarem estagnados na escuridão. Foi interessante perceber que os emigrantes ilegais costumam ser explorados pelos seus conterrâneos, já instalados no país anfitrião. A raça humana decepciona-me cada vez mais. O realizador mandou cassetes VHS para as aldeias africanas com o testemunho dos seus filhos perdidos na boa Europa. Muito bom.
Acácio - uma brasileira, Marília Rocha, descobriu uma preciosidade. Acácio e a sua esposa. Trasmontanos de origem. Passaram parcelas de 3o anos (como Acácio lhes chama) em Portugal, Angola e Brasil. Acácio filmou e fotografou para os arquivos do governo na altura. Entrou na intimidade das tribos indígenas de Angola. Aproveitou e foi fazendo as filmagens também da sua família. Filmou o quotidiano dos mais tarde retornados. A San-Tropez dos portugueses antes da independência. Falam das imagens que vêem do Douro como se nunca de lá tivessem saído. O Português do Brasil pouco se nota nas suas conversas. A relação de mais de 50 anos deste casal deu azo a conversas deliciosas que, verdade seja dita, só mesmo vistas e ouvidas. Se alguma vez ficar disponível para download num site muito muito cultural perto de si, ... a não perder. Para ver no aconchego do lar com a chuva a bater na janela.
The Last Season - Shawaks: a história de uma tribo turca de pastores que passa o verão nas montanhas, com os rebanhos, os cavalos, as mulheres, os filhos, as tendas, a tralha toda. Regressa no Inverno para as casas de pedra, novamente com tudo. Tem paisagens fantásticas. Projecta-nos para um mundo completamente estranho. É bom saber que a Turquia tem muito mais que Istambul. Quando o ancião disse "As mulheres fizeram-se para se bater" achei que estavam muito bem fora da União Europeia. Foi um momento triste. Mas tudo o resto foi óptimo. Dos melhores festivais que por aí andam. Adoro este ritual de Outono.
Cansa comó caraças ir a todas. Mas vale a pena. A alma vem menos pequena.